sexta-feira, 16 de outubro de 2015

POR UM SONIC ANARQUISTA

Almanacão Sonic the Hedgehog, Ano 1, nº 1, Editora Escala.


Mesmo o universo clássico do Sonic sendo uma óbvia crítica ao desenvolvimentismo, à civilização industrial, à ciência como princípio, é ainda mais óbvio que esses "detalhes" - que na verdade constituem toda a motivação da aventura (a luta pela libertação dos animais e da terra numa distopia que os utilitariza, que literalmente os transforma em robôs) - sejam postos de lado pelo simples fato da envergadura comercial do jogo. É um sucesso de vendas, é filho de uma gigante do mercado de videogames, e o discurso potente do jogo se dilui até a inexistência sob essa contradição.

Qual é a tarefa do videogame independente que observa a inevitável despolitização das boas ideias submetidas às más estruturas? Para responder, pensemos o videogame independente como parte de um projeto de sociedade libertária: assim superamos o independente como "nicho de mercado", como uma das mil "categorias de um mesmo produto". Aquele que se engaja no videogame independente sob essa perspectiva deve estar atento ao que se faz com, a como se consome, o videogame que não é independente (inclusive para não correr o risco de se deixar engolir pelas más estruturas). Um projeto de sociedade libertária que não considere a importância do videogame no coração das pessoas está condenado a sucumbir diante de uma reação violenta ou da pura indiferença - soaria como uma das leis do Doutor Robotnik: É proibido diversão. Não ignorando o amor das pessoas ao videogame, e não ignorando tampouco o enfraquecimento das boas ideias que atribuímos à força do mercado, a melhor das tarefas é a mais simples: reverter o processo, fazer o contrário com as mesmas armas, exagerando ou mesmo deturpando o sentido original dos universos ficcionais dos jogos. A boa e velha propaganda. Não é preciso que nos arrepiemos ao ouvir o elogio da propaganda - coisa que é absolutamente diferente da censura de tudo aquilo que não é propaganda (ideia mesmo absurda que discutiremos abaixo).

Tudo tem sua parte de propaganda, e se a odiamos hoje é por culpa da infame propaganda vomitada por todas as televisões e outdoors do mundo capitalista. Mesmo a obra de arte mais abstrata demonstra a propaganda das formas, assume uma posição de defensora da boa composição, se ri dos ingênuos que resumem toda imagem à história que contam através de figurinhas realistas. Se a imagem abstrata não nos comunica nada, é porque estamos querendo ver nela uma coisa que apenas figurinhas realistas podem compor - é uma expectativa impossível. Estão ao contrário, poderíamos dizer, os nomes que damos à imagem abstrata e à imagem figurativa: a primeira é muito mais concreta por falar da natureza física da imagem; a segunda é muito mais abstrata, pois se trata de uma cópia mental do que se vê no mundo tátil, sob uma constituição física completamente diferente.

Quando a história da pintura ocidental encontrou a superação das vanguardas modernas, sobrou apenas o mercado: triunfo completo do capitalismo sobre a forma de imagem mais poderosa que o mundo já viu. À dita arte contemporânea, que arrogantemente toma para si a contemporaneidade (à maneira do colonizador que pensa seus valores muito específicos e muito locais como universais), poderíamos muito bem dar o nome de "pós-pintura". Antes da fotografia e mesmo depois dela, a pintura detinha o maior poder entre todas as formas de imagem (na civilização ocidentalizada, europeizada). Era dela a realidade, a eternidade, a monumentalidade. O círculo social que hoje gira em torno do mercado de arte contemporânea é um fraco eco das vozes que verdadeiramente constataram a realidade da pintura e a elevaram para muito longe e acima do povo. As vanguardas destruidoras da pintura não fizeram mais pela liberdade humana do que a experiência do comunismo sob os bolcheviques. O trono se manteve inteiro e as bundas ali se sentaram. É preciso que nos preocupemos com as estruturas, que não nos joguemos a destruir quem as ocupa momentaneamente e, num erro após o outro, estabeleçamos um campo para a livre ação de todos os tipos de desonestos e egoístas!

Se há deliberação, há propaganda. O mercado que esvazia os discursos também esvazia os intrumentos discursivos. Uma forma potente de propaganda já foi elaborada à perfeição pelos situacionistas sob o nome de desvio ou detournement. Ao invés de chorarmos pela cooptação que o capital faz de tudo o que é construído, que cooptemos de volta e cooptemos para a esquerda até mesmo a imagem do mais ordinário mascote de fast food! É urgente que uma quantidade generosa de belos sapatos com emblemas da Nike e da Adidas seja feita ilegalmente por copistas do povo, pirateiros talentosos que superem o original em qualidade, estilo e relevância local! Que há de errado com os jovens que anseiam por vestir as roupas de marca que a propaganda capitalista transborda por todos os veículso midiáticos? Absolutamente nada! Eles apenas tem olhos e ouvidos! Só precisamos pegar a coisa toda para nós, propagar novos valores, construir os objetos de outras maneiras e para outros fins. Utilizar em proveito de um projeto de sociedade libertária toda a aceitação que alcançam as formas já existentes de artefatos culturais, materiais ou imateriais.

Um comentário:

  1. As impressoras 3D estão aí. Não está longe de vermos versões piratas exclusivas de produtos da moda, modificadas para transmitir outras ideias e valores. :)

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