quarta-feira, 27 de setembro de 2017

O GAMERGATE NUNCA VAI ACABAR (por William Turton)

Traduzido por Pedro Paiva do original por William Turton.



Uma coalizão de pessoas que jogam videogames e também gostam de ficar gritando na internet está em pé de guerra essa semana por causa de um vídeo de 26 minutos em que Dean Takahashi do canal VentureBeat joga Cuphead, jogo que sairá para Xbox e PC.

O vídeo, que teve mais de meio milhão de visualizações até agora (24 de agosto), foi acusado de ser "grosseiramente negligente" e "patético". Comentaristas do Youtube sugeriram que seria apropriado que Takahashi se matasse e ficaram imaginando se ele seria "retardado". Isso provocou uma onda de tópicos no Reddit e vídeos no Youtube incluindo coisas como "Venturebeat não pode com Cuphead - Fracasso no jornalismo de games" e "A vergonhosa demo de Dean Vs teste de inteligência de pombos". Um apoiador do Gamergate, Ian Miles Cheong, que antigamente escrevia para o extinto Heat Street e agora publica no Daily Caller de Tucker Carlson, tem twittado incessantemente sobre esse vídeo há uns cinco dias, tendo mais recentemente recrutado uma criança de quatro anos pra comentar o vídeo.

"Então, tem um monte de gente dizendo que eu não sou qualificado para o meu trabalho, então a coisa vai piorando pra 'você tem mais é que se foder', 'você é um merda', 'como é que você pode ser pago pra jogar videogames?', e 'você devia era se matar'", Takahashi disse para o The Outline. "Ainda bem que não ficou pior do que isso."

Takahashi, o escritor-chefe do GamesBeat, uma das colunas do VentureBeat, tem trabalhado como jornalista há 25 anos. Seus trabalhos anteriores incluem o The Wall Street Journal, onde ele fez uma reportagem sobre os fabricantes de chips como a Intel nos anos 90, e antes disso trabalhou para o The Los Angeles Times. Ele gravou um vídeo que teria feito milhares de pessoas online perderem a cabeça na Gamescom, uma feira comercial da Alemanha. Seu crime? Ele jogou mal, sofrendo pra terminar o tutorial e depois morrendo repetidamente no começo do jogo. VentureBeat intitulou o jogo como "Gameplay do Cuphead: Dean passa vergonha por 26 minutos." Takahashi escreveu, "Sou péssimo no Cuphead. Vamos logo nos livrar disso", e segue fazendo graça da sua performance ao longo da resenha.

Não adiantou nada.

O tweet inicial de Cheong sobre o vídeo teve 12.000 retweets. "Jornalistas de games são incrivelmente ruins jogando videogames", Cheong provocou. "Como eles acham que podem ser qualificados para escrever sobre videogames?"

Takahashi disse depois que o tweet bombou, "uma explosão de raiva começou a partir daí".

Talvez seja a ascenção da alt-right, que tem suas raízes no movimento Gamergate em termos de ideologia e o mesmo estilo de mobilizações online. Talvez seja o fato de que Zoe Quinn, a primeira vítima do Gamergate, está fazendo um tour pra divulgar seu livro, convidando as pessoas que a assediaram sem dó nem piedade em 2014 a arruinarem as resenhas do seu livro no site da Amazon. Seja lá qual for a razão, a impressão que fica é que o Gamergate não vai acabar nunca. A desconfiança a respeito da imprensa está de volta, as ameaças via Twitter também; a retórica moralista - "isso é sobre ética no jornalismo de games!" - usada pra justificar o que essencialmente é uma prática de cyberbullying. A falta de habilidade de Takahashi em jogar Cuphead mostra que o rei (os jornalistas de games) está nu (de habilidade em jogar videogames), o que é uma acusação contra o reino todo (o jornalismo de games e também a mídia mainstream como um todo). John Bain, também conhecido como Total Biscuit, um cara que produz conteúdo sobre videogames na internet, disse que o vídeo demonstra um "nível tóxico de incompetência."

Independentemente de Takahashi ser bom em videogames ou bom em jornalismo, é excessivo sugerir que sua gameplay desengonçada seja tóxica. Isso reflete os delírios de grandeza da mentalidade Gamergate, onde erros insignificantes justificam assédio infinito. Apesar de estar sendo vítima de uma multidão de ideólogos desenfreados, Takahashi tem sido contrito, tem demonstrado paciência e responde suas críticas com uma postura conciliatória. Durante um podcast em que seus colegas da VentureBeat tentam defendê-lo, dizendo que que o jogo tinha sido gravado no meio de um dia muito longo, que a parte mais importante do seu trabalho não era jogar videogames, e que ele estava realizando uma entrevista ao mesmo tempo, Takahashi respondeu que "Essas são só desculpas pro fato de eu jogar mal. Eu gostaria de pedir desculpas a todo mundo porque parece que esperavam mais de mim e que não esperavam um vídeo como esse. O que eu estava pensando, e é algo que fiz já muitas vezes, é que esse seria mais um vídeo divertido, que faria as pessoas rirem. Tirar um sarro do quão mal eu jogo sempre me colocou em situações engraçadas." Quando o The Outline perguntou se a polêmica em torno do vídeo o fez querer parar de escrever sobre jogos, ele disse que isso minou seu entusiasmo mas que no final das contas ele não tem muito como sair dessa, já que "tem prazer em entrevistar as pessoas e gosta de jogar os videogames que elas fazem."

Caso você não se lembre, a gênese do Gamergate foi baseada em mentiras sobre a vida sexual de uma mulher desenvolvedora de jogos, que supostamente teria dormido com alguém que resenhou seu jogo. A bola de neve começou a cair deste ponto, atingindo novas vítimas que incluem a crítica feminista Anita Sarkeesian e desenvolvedoras como Brianna Wu, conquistando defensores como Milo Yiannopoulos, o editor de tecnologia da Breitbart que ficou conhecido como um culture warrior e um polemista de direita. Logo vimos que o Gamergate nunca voi sobre "ética no jornalismo de games" como seus entusiastas defendem, mas muito mais uma forma de auto-denominados gamers descontarem seu stress e ansiedade em qualquer um que cruzasse com eles durante a semana. O Gamergate se move de um escândalo mentiroso pra outro em nome da "ética no jornalismo de games" enquanto mantém a mira sobre seus verdadeiros alvos: feministas e aqueles que compõem ou se interessam pela cena independente no videogame. Esse padrão tem se repetido desde então. Pizzagate. As Caça-Fantasmas. Donald Trump.

Agora, com Takahashi, o Gamergate está de volta com a falsa controvérsia que o originou: ética no jornalismo de videogames. O debate se coloca como: "Jornalistas de games deveriam jogar bem?" mas o que deve nos preocupar é: "Será que tá tudo bem descarregar todo o poder de fogo de uma furiosa mobilização contra um jornalista de videogames que joga mal?" De acordo com os críticos de Takahashi, nada poderia ser mais justo. E se o padrão Gamergate se desenvolver, seus críticos vão estar famintos por uma nova vítima em breve.

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